Eles surgiram em 1984, em Nova York (EUA), e já chamaram a atenção pela mistura de ritmos, algo pouco comum na época. Na ocasião, já se chamavam Living Colour e, em suas apresentações, fundiam o rock com o punk, o hard rock, o heavy metal, com funk e até jazz. Além disso, a forma de tocar do guitarrista Vernon Reid também se tornou uma marca registrada.
E estão de volta ao Brasil. Depois de passarem por aqui, mais recentemente em 2022, no Rock in Rio, juntamente com o lendário guitarrista Steve Vai, farão uma turnê de quatro shows em solo nacional, passando por Belo Horizonte, nesta sexta-feira (11), no Mister Rock. Eles ainda tocam no Rio, no dia anterior; em São Paulo, no dia 12; e fecham a passagem tupiniquim em Brasília, no dia 13, no Toinha. Na sequência, eles ainda seguem para Santiago, no Chile, no dia 15, e Buenos Aires, na Argentina, no dia 17.
Antes de ficar conhecido no meio musical, Vernon participou do segundo disco solo de ninguém mais que Mick Jagger, batizado “Primitive Cool” (1987). O vocalista dos Stones ficou tão impressionado com o músico que produziu duas demos da banda e se tornou padrinho deles, inclusive convencendo a gravadora Epic Records a apostar no grupo norte-americano.
Mas retomando o início da carreira, em um ambiente altamente dominado por brancos, os quatro rapazes negros chutaram a porta e estouraram no mundo, já com seu excelente disco de estreia, “Vivid” (1988). Lá estão dois de seus maiores hits, até hoje muito festejados nos shows: “Cult of Personality” e “Glamour Boys”.
E desde então, uma dúvida. Por qual motivo existem tão poucos negros no rock? Lembrando que o estilo surgiu de movimentos negros, como blues e jazz, e com total influência de heróis negros da história, como Jimi Hendrix, Chuck Berry, Rosetta Tharpe, Little Richard e outros.
Em entrevista exclusiva ao Rock Master, Vernon explicou alguns motivos que, para ele, contribuíram. “Acho que há muitos fatores. Parte disso é o espaço comunitário para a música ser desenvolvida. Por exemplo, a ideia da banda de garagem. Quando os Beatles surgiram e houve uma explosão de bandas na América, a ideia era termos pessoas ocupando espaço em suas garagens para comprar equipamentos e tocar. Não havia muito equivalente na comunidade negra. Quer dizer, quando comecei, fazíamos isso em porões. Não praticávamos em garagens”, conta.
O músico ainda adiciona o preconceito existente na época. “Havia muita hostilidade em relação à presença de afro-americanos no ambiente do rock. A hostilidade era em relação ao pessoal do rock em geral. Aqueles brancos do rock, como Elvis Presley e Buddy Holly, foram assimilados. Eles eram mais fáceis de aceitar pelas pessoas que são hostis ao rock. Eventualmente, eles meio que conseguiram aceitar a popularidade dos artistas brancos na faixa dos 50 anos. Enquanto os mesmos artistas negros enfrentaram mais hostilidade”, disse. “Parte disso também é a disposição das gravadoras, a disposição das rádios de tocar os artistas. A indústria fonográfica popular na América começa com discos raciais e meio que discos country e também big bands, jazz, por aí vai”, relembrou.
Vernon ainda exaltou o fato de uma mulher, negra, aparecer nesta seleta lista. “Estou tão feliz que você mencionou a Sister Rosetta Tharpe porque ela só foi reconhecida por ser uma guitarrista extraordinária e pioneira nos últimos 20 anos. Ela é uma guitarrista solo melhor do que Chuck Berry. Mas se você pensar sobre isso, o fato de que a Sister Rosetta Tharpe não passou do gospel para o rock, esse é um grande fator para que ela seja conhecida por poucos. Tem também o sexismo da época. Mas você sabe que Richard Pennyman era um protegido dela. Foi assim que Little Richard se tornou Little Richard”, explicou.
Já nos anos 60, várias bandas inglesas invadiram o mercado, como Beatles, Rolling Stones, Kinks, Herman’s Hermits, Animals e outros. E Vernon destacou, aí, mais uma questão complicada para os músicos negros. “A invasão britânica aconteceu. E então Jimi Hendrix era meio que um americano que foi para a Inglaterra e revolucionou aquele espaço. E isso é parte do problema. Onde os negros se encaixam em espaços que são reivindicados por negócios brancos?”, questionou.
“Mas os negros tocando rock continuaram. Quando penso no Funkadelic (banda dos anos 70), George Clinton foi muito influenciado pelo Summer of Love e pelo Pink Floyd. Quando ele teve a ideia do Funkadelic, queria criar um tipo de experiência psicodélica que fosse especificamente voltada para afro-americanos. E, ao mesmo tempo, em termos de cultura popular, a Motown (gravadora) teve uma grande influência. A Stax (gravadora) apareceu e isso também teve uma grande influência. Hendrix foi uma grande influência em toda a comunidade de guitarristas. E Ernie Isley continuou com The Isley Brothers para ter sucessos de black rock tocando no rádio”, relatou Reid.
Ele ainda não conhece a banda mineira Black Pantera, responsável por abrir o show em Belo Horizonte. “Mas estou animado para escutar o som deles.” Ainda sobre bandas e músicos novos, o guitarrista do Living Colour enumerou o que ele tem ouvido. “Estava pensando na banda Hiatus Coyote, e eles estão fazendo uma coisa muito interessante. Fizeram uma versão de ‘White Rabbit’, do Jefferson Airplane. Tem também o artista de hip hop No Name. Há um guitarrista chamado Marcus Machado que é um membro do Farrell Munch, que tem um projeto chamado ’13’. E é uma nova abordagem realmente interessante. É uma abordagem muito diferente da combinação de rock e hip hop. E Marcus Machado é um guitarrista afro-africano e latino. Acho que ele foi realmente muito influenciado por Hendrix”, lembrou.
Ainda na categoria de novos artistas, Vernon enumerou mais músicos que estão em sua playlist. “Tem um jovem chamado Aaron Jones, de Seattle. Ele entrou em contato comigo e sua banda abriu para nós. Gosto muito. Tem o Kirk Douglas, que é guitarrista do The Roots. Ele tem um projeto chamado ‘Hundred Watt Heart’ que é fantástico. Tem uma banda de nativos americanos chamada Dead Pioneers. Estão fazendo um trabalho fantástico. Acredito que a TV on the Radio voltou, e estou muito feliz com isso. Há pessoas maravilhosas e talentosas, como Malcolm Brikhouse, que era o guitarrista do Unlocking the Truth. Todos garotos negros do Brooklyn.”
De volta
A vinda do Living Colour a Belo Horizonte não é algo inédito. Vale ressaltar que eles estiveram na capital mineira, em outubro de 2009, em uma noite de domingo, no extinto Music Hall, se apresentando para uma pequena plateia, ao lado de Bauxita e a banda Código B.
Sobre a passagem por Belo Horizonte, Vernon disse que se recorda, mas só de momento. “Lembro de pensar: ‘Quero passar um pouco mais de tempo aqui’. Esse é o problema de viajar do jeito que fazemos. Ficamos nas cidades por um ou dois dias. Já estive em Salvador, e claro, já estive no Rio muitas vezes. Belo Horizonte foi a primeira vez. Isso é interessante. A cultura é tão diferente, embora seja a mesma cultura. As cidades têm características tão diferentes. Então, sim, Belo Horizonte, estou ansioso para voltar aí.”
Além de “Vivid”, eles já lançaram outros cinco discos: “Time’s Up” (1990), “Stain” (1993), “Collideøscope” (2003), “The Chair in the Doorway” (2009) e “Shade” (2017). Além de Vernon, a banda é formada pelo vocalista Corey Glover, pelo baterista William Calhoun e pelo baixista Doug Wimbish.
Em uma das passagens pelo Brasil, em 2019, eles tocaram “Vivid” na íntegra. Para o guitarrista, a ação é importante para atingir novas gerações de fãs. “Acho que a próxima coisa que faremos é uma espécie de mistura. Coisas de ‘Staying’, coisas de ‘Vivid’. Estamos trazendo de volta uma música chamada ‘Sacred Ground’. Tocaremos ‘By’, que não tocamos ao vivo há algum tempo. Acho que é muito importante ouvir os diferentes modos ou as diferentes épocas da banda. Quem éramos na época de ‘Vivid’, quem éramos em ‘Times Up’ e o que nos tornamos com ‘Staying’. E então os discos subsequentes a esse. Temos mexido com afinações de músicas diferentes e olhado para elas de maneiras diferentes”, frisou o músico, já dando um spoiler do que os fãs poderão ver no setlist desta turnê.
Vernon Reid ainda aproveitou para enviar uma mensagem ao público do Brasil, um país onde eles sempre estiveram, e prometem voltar. “Não tenham medo da mudança. Acreditamos em vocês. Porque o fato de vocês terem vindo nos ver me diz que vocês realmente estão pensando no futuro e também estão abertos à ideia de que o rock é para todos nós. É para todos nós. Lembro-me de conhecer os caras do Sepultura e pensar: ‘Cara, eles são uma ótima banda’. E é tão importante abraçar uns aos outros em nossas jornadas”, finalizou.
(Tradução da entrevista por Rodrigo Monteiro)
Programe-se
Living Colour (abertura Black Pantera)
Mister Rock (av. Teresa Cristina, 295, Barro Preto)
Dia: 11 de outubro
Horário: 19h