O ano é 1983. O Kiss está tentando se recuperar do fracasso comercial de “Music from the Elder” (1981) na turnê de divulgação de “Creatures of the Night”. O Brasil vai receber a banda pela primeira vez e há um esforço para que a coisa ande bem. Lojas de discos – se você não sabe o que é isso, olha o Google aí pra te responder – recebem kits promocionais para distribuir para seus vendedores contendo sacola e copos estampados com os integrantes da banda e, claro, o vinil do álbum objeto da turnê. Este escriba tem cinco anos de idade e uma tia que trabalha em loja de discos.
Por algum motivo que só os deuses do rock and roll e do metal podem explicar, a capa do álbum, com quatro sujeitos mascarados, faz com que ela acredite que a música ali vai agradar ao seu sobrinho que sempre gostou de super-heróis. Eu, então, recebo o vinil e, segundo meus pais, passo os próximos dias escutando o álbum e cantando músicas como “War Machine”, “Creatures of the Night” e, principalmente, a favorita da época, “Love it Loud”, pela casa. Eu até mesmo peço para ir à apresentação da banda, tachada como “satânica” pela Igreja de então, o que, claro, não acontece.
O ano é 2023. Quarenta anos se passaram e me encontro no Mineirão, no dia 20 de abril, para uma apresentação daquela que se auto intitula “a banda mais quente do mundo”, parte de sua turnê de despedida. Obviamente que, ao escutar os primeiros acordes de “Love it Loud” a lembrança – distorcida pelos anos, é verdade, mas ainda presente – de uma infância embalada por seus acordes vem à tona, juntamente com a emoção associada a ela.
Mas estou me antecipando. A noite histórica – um termo muito banalizado ultimamente, é verdade, mas que aqui se justifica – começou com uma atração caseira, ainda que de bastante peso. Coube ao Sepultura a tarefa de preparar o público presente no Mineirão para o Kiss. Apesar de se apresentar para um público que, em sua maioria, parecia não muito familiarizado com o som da banda, o quarteto liderado pelo guitarrista Andreas Kisser e completado pelo baixista Paulo Jr. (único mineiro remanescente na banda formada em Belo Horizonte nos anos 1980), o vocalista Derrick Green e o baterista Eloy Casagrande não se deixou abater por uma recepção relativamente fria, se comparada ao que viria a seguir.
Divulgando seu último álbum, “Quadra” o Sepultura levantou a parte da galera que era seu público em diversos momentos, especialmente quando tocou músicas como “Kairos”, “Dead Embryonic Cells”, “Refuse/Resist”, que contou com a participação de Yohan Kisser, filho de Andreas, na guitarra e “Arise”. “Ratamahatta” e “Roots Bloody Roots” fecharam uma apresentação relativamente curta, mas eficiente.
Cerca de 50 minutos se passaram entre o Sepultura se despedir do palco e os PAs do Mineirão começarem a tocar “Rock and Roll”, música do Led Zeppelin que o Kiss tem usado como introdução em seus shows. Uma grande cortina impedia que o público visse o que rolava no palco. Quando ela cai, o quarteto formado por Paul Stanley (vocal/guitarra), Gene Simmons (vocal/baixo), Tommy Thayer (guitarra/vocal) e Eric Singer (bateria/vocal) desce ao palco vindo de plataformas penduradas no alto de sua estrutura abrindo a noite com “Detroit City”. Usando uma analogia muito popular especialmente no futebol, o Kiss entrava em campo com o jogo – ou, no caso, o show – ganho.
Paul Stanley certa vez disse que, no que diz respeito ao Kiss, o aspecto show é tão importante quanto a música e a banda sempre se guiou por esse princípio. Além de executar diversos de seus grandes sucessos, tais quais “Lick it Up”, “Shout it out Loud”, “Deuce” e “Calling Dr. Love”, além das supracitadas “War Machine” e “Love it Loud”, dentre outros, o Kiss é uma banda que sabe o valor de um espetáculo e usa de todos os recursos a seu dispor para isso. Grandes momentos que transcendem o aspecto musical são vários.
Paul Stanley é um showman clássico, carismático, que interage e retira o melhor do público o tempo todo. Gene, apesar de menos espalhafatoso, sabe entreter o público tanto com sua performance de cuspidor de fogo quanto no seu momento solo, onde cospe sangue falso e sobe em uma plataforma, que fica bem acima do palco, de onde canta “God of Thunder”. Paul não fica atrás e, usando-se de uma tirolesa, sai do palco principal para um montado no meio do estádio de onde canta “Love Gun” e “I Was Made for Lovin’ You”, dividindo a atenção do público. Olhamos para Paul ou para o resto da banda no palco principal?
Os membros mais “novos” da banda também são valorizados. Tommy Thayer tem seu momento solo, fazendo sua guitarra soltar fogos e “abater” discos voadores que sobrevoavam o palco. Eric Singer, por seu lado, não só tem um momento de solo de bateria como faz valer seu sobrenome (uma das traduções de “singer” pode ser “cantor”) quando assume o microfone ao lado dos companheiros em “Black Diamond”, que fecha a primeira parte da apresentação, e sozinho, tocando piano, em “Beth”, que abre o bis.
O bis é o ápice da festa, com “Do you Love Me” e canhões soltando papel picado e serpentina sobre o público enquanto o Kiss executa “Rock and Roll All Nite”, um de seus principais hinos. Fechando a performance, Paul Stanley quebra sua guitarra no chão do palco, uma de suas marcas registradas.
Paul Stanley e Gene Simmons anunciaram que essa é a turnê de despedida do Kiss e, diferente de outras bandas que fazem inúmeras turnês de despedida, com o Kiss será diferente. Se mantiverem sua palavra, a banda se despede mostrando porque cravou seu nome no panteão dos maiores grupos da história do rock and roll.
O Rock Master agradece à Vianello Assessoria, Opus Entretenimento e Mercury Concerts pelo credenciamento para cobrir o evento. E este humilde escriba agradece à sua tia Maria Helena (fã de música sertaneja) pela inspiração divina de presentear seu sobrinho de cinco anos com o primeiro álbum de rock de sua vida.
Confira abaixo a galeria de fotos do show pelas lentes de Alexandre Guzanshe.
Sepultura
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