Resenha: Olho por Olho – Olho Seco

Os paulistas do Olho Seco fazem parte dos primórdios do punk brasileiro. Formada no começo dos anos 1980 por Fábio Sampaio (vocal), Redson (guitarra), Val (baixo) e Sartana (bateria), o primeiro registro da banda se deu em 1982, na coletânea Grito Suburbano, ao lado de Cólera e Inocentes. Em 1985, o EP Botas, Fuzis, Capacetes marca a sua estreia pra valer e, em 1989, o grupo lança seu primeiro álbum “completo”, na figura deste Olho a Olho.

Nessa época, o Olho Seco era um trio, tendo apenas Sartana da primeira versão da banda, com Luiz (guitarra, vocal) e Wilson (baixo, vocal) completando a formação. Devido a isso, ou não, Olho a Olho acabou tomando uma direção musical diferente do que a banda havia fazendo desde então. Sai o punk entra um grindcore primordial nervoso que alguns classificam mesmo como grindnoise, tamanha a violência apresentada nas músicas da banda. Esqueça qualquer tipo de virtuose ou “firula”. Em Olho por Olho o Olho Seco faz um som cru, quase primitivo e, por isso mesmo, cheio de uma energia bastante original.

Todos esses elementos fizeram com que o álbum fosse mal compreendido pelos fãs de outrora. Lançado originalmente pela Cogumelo Records em 1989, Olho por Olho ganhou uma versão digipack liberada neste ano, seguindo a tendência atual da gravadora mineira de resgatar sua história de sucesso. Na ocasião do lançamento, a gravadora mineira divulgou um texto escrito pelo baixista Wilson, através do blog  Dias do Isolamento, que reproduzimos abaixo:

Olho por Olho’ é, definitivamente, um álbum apócrifo do Olho Seco. Não foi elaborado com esse intuito, mas certamente foi um ‘risco calculado’.

O Olho Seco já vinha alterando seu som desde a entrada do Luizão, tornando-o mais cru, mais cheio e mais veloz. Algumas poucas apresentações, a participação na coletânea “Contra Ataque” e o EP Fome Nuclear já atestavam isso. Entretanto, a saída do Fabião por questões pessoais e meu ingresso no baixo, transformando a banda em trio, o Luiz assumindo os vocais, e o Sartana encabeçando a condição de único membro da formação original da banda e livre para experimentar e tocar de forma absurdamente veloz, cristalizaram a condição de um Olho Seco sob suspeita. Eu e Luiz já vínhamos de um período com o Brigada do Ódio que gerou o split com o mesmo Olho Seco alguns anos antes, e tínhamos passado a experiência de registrar um som que praticamente ninguém se interessou naquele momento. Então, para nós, não seria problema lidar com isso novamente. Afinal, quais as possibilidades? Fazer um som ligado ao legado do Olho Seco do álbum “Botas, Fuzis e Capacetes”? Para nós, soaria como um pastiche, uma falsificação do original. Então optamos por buscar novos caminhos. Afinal, esse era o legado: buscar originalidade.

Obviamente o público não gostou. E entendemos que não gostariam mesmo. Acho que, especialmente no underground, é bem forte essa relação de pertencimento do público com a banda. As comparações com o Brigada do Ódio também foram inevitáveis, mas entendo que existem diferenças significativas, reconhecendo a grande proximidade. Enfim, foi uma busca por um som que traduzisse o momento e que, principalmente, nos deixasse satisfeitos. A experiência que trouxemos nos fez entender que seria fundamental um registro do que estávamos tocando. Fizemos uma breve gravação e utilizamos duas músicas que sobraram da gravação da coletânea ‘Contra Ataque’ e bancamos 500 cópias do EP ‘Fome Nuclear’. Mas havia material suficiente para um LP.

O ano era 1989 e a Cogumelo se destacava como selo independente voltado para som mais extremo. Conversamos, liguei para a loja, falei com o João e marquei um papo pessoalmente para o sábado seguinte. Sexta à noite peguei um busão em SP, desci de manhã em BH, fui à loja, entreguei umas cópias do ‘Fome Nuclear’, conversamos cerca de uma hora, voltei para rodoviária e retornei a SP. Semana seguinte conversamos por telefone e já estava tudo agendado – data de estúdio, hotel e orientações para a arte. Com essas condições o álbum ‘Olho por Olho’ nasceu. Ironicamente o álbum menos identificado com o Olho Seco é o primeiro álbum exclusivo da banda.

Enfim, pouco mais de três décadas após esse lançamento, temos essa edição em digipack. Posso dizer hoje que tenho muito orgulho de ter dividido com o Luiz e com o Sartana os percalços para esse registro, e dizer que o ‘Olho por Olho’ não foi pensado acima nem além de julgamentos. Ele foi pensado ignorando as limitações criadas pela expectativa do que deveria ser e é o que é. Somente isso.

Não há muito mais o que dizer a respeito de Olho por Olho. É um álbum direto, seco, rápido, sem firulas e que deve agradar bastante aos fãs do grindcore produzido por bandas como o Anal Cunt e mesmo algumas das fases do Ratos de Porão. Com dezesseis músicas beirando os dezoito minutos, o Olho Seco dá o seu recado de maneira direta e concisa em Olho por Olho.

Foto: Nino Andrés

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